quinta-feira, 30 de abril de 2009

Meu encontro com Deus



Meu encontro com Deus


Não lembro bem o dia, só que eu era bem pequena naquela época. Estava na casa da Tia Terezinha, minha tia avó, como era de costume passar meus finais de semana, ansiosa pelo domingo, onde íamos juntas a igreja. Eu adorava a escola dominical. Usava meu vestido bordado, sapatinho de verniz e meias de crochê, minha Tia me cuidava como a uma boneca. Acho que por ela só ter tido filhos homens, eu e ela tínhamos um laço, uma sutura na alma, um entrelace de corações, que só quem ama assim, pode mensurar o envolvimento existente entre duas pessoas que mais parecem uma só.

Brincava na cozinha com minhas panelinhas de barro, quando ouvi a voz de minha avó dizer: A ira de Deus será implacável com ele! Sua voz era grave e trazia uma raiva e fúria contida que me deu medo. Pensei: Nossa! Deus estar com raiva, o que a pessoa fez? Fiquei pensando nos castigos possíveis e a cada minuto ficava mais assustada.

A noite, quando Tia Terezinha me colocava na rede para dormir, perguntei-lhe: Tia, quem vai experimentar a ira de Deus? O que ele fez? Porque Deus é mal? Eu to com medo! Minha Tia sorriu e me abraçou dizendo: Deus não é mal, ele é pai e nos ama. Quem ama cuida e trata com carinho. Quando alguém faz alguma coisa que o deixa contrariado, ele chama e aconselha. Algumas pessoas acham que ele é um velho rabugento, mais ele é um homem simples, de voz doce e que gosta de tomar chá. Quem gosta de um bom chá não pode ser rabugento, dizia ela. Eu sorri, achando engraçado. Deus tomando chá! Foi ai que ela me ensinou, que a noite eu sempre recebia a visita de um amigo, eu poderia não vê, mais poderia sentir e falar com ele. Seu nome era Jesus. E a ele eu poderia falar tudo, qualquer assunto, sorrir, chorar, pedir conselho, pois ele era meu melhor amigo. Nesse momento aprendi a rezar, era só conversar com meu Jesus Amigo.

Minha Tia me ensinou a amar, amar as plantas, os bordados, as brincadeiras, os amigos. Ela me ensinou que a vida era leve, se a gente levasse a vida com bom humor e um grande sorriso no rosto e na alma.

Nunca vi minha Tia chorar, triste, com raiva, pelo contrário tudo era motivo para uma boa risada. Ate quando a comida queimava na panela e eu ficava com medo, pois sabia que seu marido era um homem violento, chegava em casa bêbado e a maltratava. Lembro de uma vez que ele chegou violento em casa, ela me pegou pela mão e saímos correndo. Corríamos tanto que ate meu chinelo perdi. Subimos na árvore no quintal e lá ficamos durante toda a tarde, ate meu tio dormir. Passamos a tarde toda chupando siriguela, e ela me fazia sorrir dizendo que eu parecia um passarinho assanhado beliscando as frutas.

Muito cedo a vida levou minha grande amiga de mim. Tia Terezinha morreu ainda jovem, tinha 40 anos e eu apenas 7. Ela estava muito doente, hoje eu sei disso, mais na época as crianças não ficavam sabendo dessas coisas. Câncer. Lembro que nos seus últimos dias de vida, ela gostava de ouvir um hino, “Cem ovelhas”, repetia uma, duas, três, muitas vezes. Eu adoro essa musica por causa dela. Alias ela também me ensinou a gostar de música. Tia Terezinha era a evangélica mais serelepe que eu já conheci na vida, adorava dançar, contar piadas, tudo escondido de minha avó, que sempre muito séria brigava com ela. Ela só não me ensinou que as pessoas morrem. E quando ela se foi, eu experimentei uma dor atroz. Uma solidão imensa. Minha vida perdeu a cor. Seu corpo sem vida era algo que não combinava com o nosso encontro semanal. Nosso amor compartilhado.

Passei a busca-la nos lugares onde costumávamos estar juntas, mas só sentia solidão. Foi ai que num impulso de raiva contida, briguei com Deus. No quintal da casa de minha Tia, quebrei minhas panelinhas de barro, chutei as árvores e gritava com Deus: Seu velho bobo! Cruel! Egoísta! Levou minha tia de mim! Só porque não sabe fazer doce, levou a melhor doceira do mundo pra fazer doce pra você! Espero que você fique bem gordo e não consiga se levantar da cadeira pra fazer seu chá!

Depois de alguns dias, senti saudade de ouvir falar de um Deus bom, amoroso, como ela me falava. Fui a igreja com minha avó e lá falavam do Apocalipse. No calor da pregação o Pastor perguntou se eu queria vê minha tia novamente, eu teria que a aceitar Jesus e entrar no barco do Senhor no dia do Juízo final, e só aqueles que eram da igreja estariam salvos. Lembrei de meus pais, eles eram católicos e eu queria que eles entrassem no barco, mais o Pastor disse que não só os crentes seriam salvos. Então eu disse: Muito obrigado Pastor, mais se meus pais não podem entrar, eu também não vou e se eles vão para o inferno eu vou com eles, pois eu os amo e é com eles que eu vou ficar, seja onde for! Sai da igreja batendo o pé e fiquei sentada na calçada ate o culto terminar e poder voltar para casa. Minha orelha quase caiu de tanto que minha avó puxou dizendo que eu havia matado ela de vergonha e que não me traria mais para a igreja. Era tudo que eu queria ouvi naquela hora.

Não tenho nada contra os evangélicos, pelo contrário, tenho vários amigos e familiares evangélicos. Aquele pastor é que foi infeliz em seu discurso, naquele momento.

Só me restava conversar com meu Jesus amigo. Já na adolescência fazia parte do grupo de jovens da igreja católica, mais sempre tive problemas por tratar as pessoas como iguais. Meu irmão era homossexual, era pois ele já faleceu, e eu era discriminada por ter amigos gays. O Padre no auge de sua ignorância disse que eu não podia servir a dois senhores, se eu quisesse servir a Deus eu teria que me afastar dos pescadores. Como eu poderia me afastar do meu irmão? Não! Eu o amava e ele pra mim era mais cristão que aquele pobre padre. Deixei o grupo pois era tratada diferente. Cheguei a ouvir: Metade da família é evangélica, outra é católica e na casa ainda tem um gay. Nessa casa Deus não pode habitar!

Deixei de procurar Deus nos lugares onde a maioria das pessoas vão. Hoje eu o encontro no meu dia a dia. Quando viajo 5 horas de estrada na sexta-feira para passar o final de semana em casa, só pra vê o sorriso do Lucas e ele correr para os meus braços dizendo: Titi! Eu olho nos olhos de Deus e sorriu e digo: Obrigado por ter me trazido em segurança pra receber esse abraço!

Eu o encontro quando tenho que partir no domingo a tarde e deixo minha mãe triste, preocupada pois são mais 5 horas de viagem ate chegar no meu local de trabalho. Eu olho nos seus olhos e digo: Cuida dela pra mim, Senhor?! Ele acena que sim e eu parto um pouco mais tranquila pra outra semana de trabalho.

Eu sei que ele me espera em algum lugar para tomar um chá. Temos muito que nos falar.

Invejo as pessoas que o encontram nas igrejas, nos ritos, na Eucaristia. Minha comunhão, ela se dá na rua, com as crianças, na clínica, em casa, quando divido meu lanche com aquele que tem fome, quando vou ao lixão, convencer os pais que lugar de criança é na escola, quando vou a escola tentar acabar com o preconceito com aquele que é especial.

Talvez eu ainda seja aquela menina que um dia quebrou as panelinhas de barro, e que não soube como pedir colo a Deus. Só sei que ele me olha de perto e nos seus olhos encontro seu amor e carinho. Sou frágil, sou assim. Quando vou a sua porta, bater para poder entrar, o maroto deixa a porta aberta e eu fico sem jeito. Entro devagar e comprovo que o ditado é verdade, Deus criou o homem a sua imagem e semelhança. Tudo organizadinho, não é que ele é metódico igual a mim. Ai eu olho lá pra fora e ele ta cuidando do mendigo na calçada. Sempre tem um pobre na calçada de toda igreja e quase ninguém vê. Deus sempre ta do lado dele.

Um dia eu quero entrar, sentar e tomar aquele chá. Um dia ainda vou voltar a provar a hóstia. Hoje eu não sei fazer isso. Não tenho vergonha de dizer, essa sou eu, sem medo ou culpa.


Dryca (2009).


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